quinta-feira, 12 de abril de 2007

A MARCA DOS PREGOS

A arrogância é um dos grandes males da dinâmica de funcionamento do mundo contemporâneo. Na verdade, a arrogância foi sempre um grande veneno destruidor da vida em todos os tempos. É um elemento deletério que decompõe as relações desde o mais recôndito dos lares, incluindo a deterioração das mesmas nas comunidades de fé, até chegar aos absurdos de tudo o que se pratica nas instituições sociais e políticas numa sociedade. A arrogância destrói o tecido de toda subjetividade, alimentando polarizações horrorosas, dando sustento à existência dos dominadores, dos insatisfeitos, dos que vivem com o coração cheio de amargura, envenenando tudo com seu pessimismo e maledicências, e dos incapazes para compreender a vida para além dos seus próprios interesses e das suas estreitezas egoístas.

Esse é um veneno que facilmente fermenta os corações, engendrando e justificando opções cristalizadas e absurdas, desde as perversidades domésticas até as que mantêm acesas as chamas das guerras e das lutas fratricidas. Não é outra a raiz de tanta violência no cenário atual e da indiferença que incapacita o desabrochar de comprometimentos solidários e altruístas na reconstrução e promoção da vida. A arrogância é que desconfigura o sentido de limite, reduz e destrói a verdade do amor e torna incompreensível o sentido intocável do outro. Na arrogância está a mesma raiz, pois, dos crimes hediondos dos criminosos perversos, assim como aqueles dos pivetes desorientados e sem rumo, bem como os absurdos cometidos pelos colarinhos brancos, na manipulação de informações e de funcionamentos, gerando a corrupção e justificando a escolha arbitrária de prioridades, com um conseqüente comprometimento do bem comum. A arrogância é o reverso da fé e do amor verdadeiro.

A Paixão e Morte de Jesus desarticularam o caminho dos seus discípulos. Não foram capazes, por si mesmos, de alcançar o sentido daquela oferta. Depois do acontecimento trágico da morte do Mestre, eles fecharam-se em casa cheios de medo. O medo, misturado com a arrogância presente no tecido da subjetividade, pode levar às irracionalidades de falas e de procedimentos comprometedores na vida de todos. Tomé, um dos doze discípulos, não estava com o grupo, narra o evangelista São João 20, 24-29, quando Jesus, ressuscitado, vivo e vencedor da morte, viera estar com eles, reunidos a portas fechadas por medo. Jesus entrou, pôs-se no meio deles, dizendo: “A paz esteja convosco”. Soprando sobre eles, deu-lhes o Espírito Santo, e eles alegraram-se por verem o Senhor. Uma alegria nascida da experiência de um encontro pessoal na comunidade reunida, pela força amorosa do Espírito de Deus recebido. Ausente da comunidade, por isso mesmo não-destinatário do dom do Espírito de amor, que faz compreender tudo e romper o território do medo que incapacita para a generosidade do amor, Tomé revela sua arrogância quando ouve o testemunho dos seus companheiros discípulos. Os outros discípulos contaram-lhe tudo, testemunhando que viram o Senhor. Uma experiência de amor no encontro fecundado pela força de uma presença. Tomé não titubeia para dizer o que disse. Só a arrogância obscurece tanto a mente e situa na escuridão o coração, confundindo a inteligência na consideração de dados, na credibilidade a ser dada à palavra do outro e no sentido de respeito à realidade. Tomé diz: “Se eu não vir as marcas dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu não puser a mão no seu lado, não acreditarei”.

Entende-se que toda arrogância nasce da falta de amor e da eleição de si mesmo como referência máxima de todo critério de juízo e avaliação das coisas e dos outros. Quem alcança o lugar da arrogância é capaz de dizer qualquer coisa, sem nenhum sentido de limite. No coração do arrogante não reside a compaixão. É um desalmado que pode destruir tudo com o gosto que tem pela maledicência e pela polarização de suas convicções, justificando suas intenções, suas metas e desejos. Na verdade, a arrogância, nos atos e nas palavras, perdendo todo sentido de respeito e comunhão, é uma delinqüência. Uma delinqüência que vai corroendo e comprometendo os andamentos da vida, sem termo, até chegar ao absurdo dos suicídios, nas opções paulatinas de destruição ou nas escolhas que geram as fatalidades irreversíveis que estão manchando cenários e a vida de tantas pessoas.

Por isso mesmo, os calvários estão multiplicando-se nos cenários da humanidade; novos holocaustos estão surgindo, e os corações estão tornando-se um verdadeiro inferno, incapacitados para a alegria da comunhão fraterna, o gosto pela cooperação e a gratuidade no desfrute do outro como dom e não como adversário e concorrente. Só há um remédio para curar tão grande mal, incrustado no coração humano: compreender a grandeza da oferta de Cristo Jesus, celebrar sua Páscoa e viver da força do seu amor.


Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

Fonte: Jornal de Opinião - 9 a 15 de abril de 2007 - nº 932 - Ano 19 - Caderno “Tua Palavra” - p. 12

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