quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

A GRAÇA É O CONVITE DE DEUS A CRESCERMOS COMO GENTE AINDA NESTA VIDA!


“A graça é o convite de Deus a crescermos como gente ainda nesta vida!”. É um convite à normalidade da vida! Portanto, a vocação cristã é antes de tudo um chamado para vivermos nossa humanidade.

No CAMINHO DA GRAÇA, reconhecemos que toda nossa existência cotidiana é o ponto focal da relação-experiência que temos com Jesus. É tal condição que nos liberta da loucura religiosa de ver a realidade dicotomizada entre o “espiritual” e o “natural”. “O mundo está imbuído de Deus”, não existe nada fora ou além de Deus. O mundo está em Deus e Deus no mundo. Não existe nada na experiência humana que não esteja dentro da esfera de ação de Deus.

Deste modo, no CAMINHO DA GRAÇA, estamos aprendendo com Jesus – conforme seu modo de ser -, a viver nossa verdadeira vida. Ora, tendo entendido isso, fica claro que a ênfase da mensagem apregoada no Caminho, que é a Boa Nova, nos ensina a SER, “porque a nossa vida neste mundo é como a vida de Cristo” (conf. 1Jo 4.17 – NTLH).

Vinicius de Moraes encarnou, de maneira profunda e clara, os anseios mais íntimos do chamado a SER GENTE. No poema abaixo, ele poetou a vocação humana e eu, entre lágrimas, o leio com reverência. Essa é minha vocação cristã!


O HAVER

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo- Perdoai-os!
Porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão tocando que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história...

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa incapacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

[Vinicius de Moraes]

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